O FOTÓGRAFO E A ETERNIDADE

O FOTÓGRAFO E A ETERNIDADE

Fábio Marques

Mestre em Educação e Ensino de Ciências e professor no Curso de Comunicação da Faculdade Martha Falcão Wyden em Manaus-AM

fabio.marques@professores.fmf.edu.br

Uma das grandes apreensões do ser humano é saber que aquele belo momento único — aquele singular instante da vida — não irá mais se repetir. Mesmo que haja um esforço de se reviver um romântico e perfeito encontro, não será mais possível, pois, parafraseando a máxima do homem e o rio de Heráclito, o lugar que aconteceu o afeto já não é mais o mesmo, assim como, o casal romântico também não será: são novas sensações, novos desafios, novas células compondo uma pele diferente. Sempre houve um sonho no qual, como mágica, surgisse a possibilidade de congelar um instante da vida. Então, através de colossal esforço de grandes artistas, cientistas e filósofos, como um fenômeno paradoxal, aconteceu um milagre científico que, maravilhosamente, eternizava o momento: a fotografia.

No mundo atual, a fotografia é como se fosse uma extensão da vida das pessoas, ou seja, mesmo sendo tecnológica, ela é vista como algo natural na comunicação dos indivíduos. É de se aceitar que, há muito tempo, já não precisa ser um profissional para congelar aquele lindo momento através de uma foto. O ato de fotografar está totalmente democratizado, e esse fenômeno admirável, diferentemente do que muitos pensam, não começou com a digitalização da foto e a possibilidade de se fotografar com um celular, mas bem antes, lá no final do século XIX, com um homem chamado George Eastman, que, com muita pesquisa e visão de mercado, barateou ao máximo as câmeras fotográficas, cobrando um pouco mais na revelação dos filmes para compensar nas despesas. Com isso, pessoas comuns tiveram a chance de ter sua própria câmera e fazer suas próprias fotos; algo que só profissionais – que entendiam de química, física e óptica -, conseguiam realizar. Se, hoje, uma criancinha de 5 anos tem a chance de fotografar seu gatinho fofinho é, em grande parte, graças a visão mercadológica de Eastman, o criador da Kodak.

Assim como um dia desconfiaram se o livro iria desaparecer com o surgimento do e-book, ou se os professores seriam dissipados com o desenvolvimento do ensino à distância, também surgiu a indagação: se todo mundo consegue fotografar, ainda é tão necessária a existência de um fotógrafo profissional? Pois bem, assim como o livro não sumiu devido as nossas necessidades sensoriais de pegá-lo e sentir o cheiro das folhas; assim como o professor não foi extinto, devido sua habilidade cognitiva de ressignificar o modo de ensinar partindo da necessidade própria de cada aluno; o valor do fotógrafo profissional se torna ainda mais aparente, devido a facilidade de se perceber a diferença abissal entre as fotos comuns e as profissionais.

Para alguns, o fato de todo mundo poder fotografar seria um empecilho, mas é o contrário. Quanto mais fotos não profissionais existirem, maior a possibilidade das fotos profissionais se destacarem em qualidade, mesmo sendo em menor quantidade, levando em conta, por exemplo, o universo das redes sociais. Como professor de fotografia, posso afirmar que um dos momentos mais singulares é quando entrego uma câmera DSLR para um aluno, o qual, ao fotografar, percebe que as fotos não saíram com o aspecto profissional só porque a câmera é profissional. Nesse momento, eles entendem que não é o equipamento, mas o conhecimento de composição, plano, controle de exposição, dentre outros, que farão com que a foto se aproxime daquelas exibidas, por exemplo, nas capas de revista.

É importante entender que o profissional não está competindo com o amador, e nem pode, pois a fotografia é para todos. Ela é uma possibilidade de eternizarmos o fato de que estávamos ali naquele determinado momento; que sorrimos junto com o outro; que choramos a perda de algo. Existem algumas críticas no mundo moderno em relação às pessoas fotografarem tudo a toda hora, no entanto, isso só está sendo percebido agora, porque só agora temos de modo fácil uma câmera automática no nosso smartphone, contudo, externalizar o que estamos sentindo através de imagens é algo próprio da nossa natureza. Os homens das cavernas do período paleolítico já desenhavam representações daquele mundo que eles estavam vivendo, como uma possibilidade de colocar para fora todas as incertezas, a falta de controle da vida, as angústias, os desejos. E mesmo nós, que vivemos em um mundo tão tecnológico, também nos angustiamos por não termos o controle, principalmente, de uma coisa: o tempo.

O que nos traz um relativo conforto é que a fotografia nos dá a chance de dizer que estamos aqui, ou que, num futuro bem distante, nossos pares tenham a possibilidade de saber que estivemos aqui. A fotografia é uma arte que nos dá o prazer de saber que nossas simplórias ações podem virar um registro fotográfico, e que, através deste, uma parte de nós ecoará pela eternidade.


Fábio Marques - fabio.marques@professores.fmf.edu.br. Mestre em Educação e Ensino de Ciências e professor no Curso de Comunicação da Faculdade Martha Falcão Wyden em Manaus-AM.